Não sei se são como eu, mas quando oiço falar do carácter inevitável do sofrimento fico sempre um pouco desconfortável. Apesar de conviver com os ensinamentos budistas há cerca de 38 anos e de ter ouvido, reflectido e até ensinado as quatro nobres verdades vezes sem conta, provavelmente a sua realidade ainda não deve ter penetrado em mim como era suposto.
Quando procuro perceber porquê, vejo que uma parte de mim ainda acalenta o sonho do “felizes para sempre” e odeia que lhe lembrem que se trata apenas de um mito não muito mais credível que o do pai natal. Mas isso também não significa que os budistas sejam pessoas deprimidas e sombrias, pessimistas por convicção. Muito pelo contrário.
Muito do nosso sofrimento é acrescentado por nós das mais variadas maneiras. Uma delas, e também a mais difícil de combater, é esta revulsão doentia que sentimos por ele. Trata-se de uma aversão e de um medo tão poderosos que só por si nos mergulham nos piores sofrimentos, sem que haja praticamente necessidade de qualquer situação dolorosa.
Por isso, meditar sobre o carácter inevitável do sofrimento, ajuda-nos a considerá-lo de uma forma diferente, mais como algo que é natural e pode surgir a qualquer momento – dada a situação em que nos encontramos -, e não como uma coisa aberrante, que não era suposto que acontecesse.
Finalmente, enquanto estivermos nesta condição “não iluminada” – a que os Budistas chamam de samsara -, não temos muita alternativa. Podemos desenvolver os métodos para viver uma vida mais harmoniosa, que nos proporciona muito mais bem-estar e felicidade, mas sempre sem garantia absoluta de que o sofrimento e os problemas não possam manifestar-se a qualquer momento.
Mas o mais importante de tudo, na mensagem do Buda, é que, sendo a felicidade e o sofrimento fenómenos mentais, se treinarmos a nossa mente e nos libertarmos das adições que nos fazem ver o mundo como vemos, é possível ver a realidade como ela é, de facto, e passar para além do sofrimento definitivamente.
Este é o objectivo final do Buda, objectivo que ele alcançou e procurou partilhar connosco.
Se eu ganhasse mais consciência…atingiria a equanimidade…
*Os oito anseios mundanos:
[1] querer ser amado; [2] não querer ser criticado;
[3] querer ganhar; [4] não querer perder;
[5] querer ter prazer; [6] não querer ter desconforto;
[7] querer ser reconhecido; [8] não querer ser ignorado.
Adoro os seus textos! E todos me fazem muito sentido, uns com mais ressonância e outros com menos. Este tema já o aprendi a ver de outra forma: “a dor é inevitável, o sofrimento não.” Porque o sofrimento vem do medo como encaramos a dor e o que nos magoa, ou seja, os nossos pensamentos, o nosso ego é o grande culpado do sofrimento.